terça-feira, 27 de julho de 2010

@Minha Verdade II:Jornalismo de Investigação, sexo dos anjos e “política de abutres”

À guisa de frustração, indignação, estupefacção, (es)pasmos, alarmismos por, pelo segundo ano consecutivo, não haver premiados no concurso de Jornalismo de Investigação Carlos Cardoso, a classe como que despertou e ensaiou há dias um tão pretenso quanto suposto debate sobre a qualidade do nosso jornalismo, mormente de investigação.

De repente, fruto de grandes descobertas feitas à luz das intervenções dos palestrantes/oradores dos seminários sobre Jornalismo de Investigação promovidos na semana do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, a não atribuição do Prémio Carlos Cardoso provocou um sub-debate.

Será porque não houve distinguido ou porque nenhum dos concorrentes conseguiu levar a mola para casa? Ou seja, perguntando de outro modo, será pela honra ferida da classe ou porque não saiu a “mola”?

Uns defendem que não havia qualidade suficiente nos trabalhos concorrentes; outros culpam as redacções por não dedicarem recursos ao jornalismo de investigação; outros ainda clamam por acções de formação sérias e instituição de fundos de apoio a investigação; e outros mais alinham no diagnóstico de uma das consciências morais da intelectualidade nacional, o biólogo, escritor e ex-jornalista Mia Couto: mais do que falta de um jornalismo de investigação a sério, há falta de qualidade no jornalismo em geral.

Nós, os mesmos que caímos na tentação da “democracia da opinião” e instituímos grandes “opinion makers” em colunas de jornais, debates radiofónicos e de televisão, corremos agora a culpar uma figura abstracta: o contexto, a situação, o ambiente.


Em minha verdade, julgo estarmos senão a fazer uma autópsia criativa, não em busca da verdadeira razão-culpa e dos culpados da morte do jornalismo de investigação em Moçambique. Sim, falo de morte, porque para mim o Jornalismo de Investigação morreu com o assassinato de Carlos Cardoso.

Não porque Carlos Cardoso fosse o senhor absoluto e fiel depositário do jornalismo de investigação em Moçambique. O facto é que com a morte de Cardoso nasceu o medo, ou escudamo-nos no medo para criar um “status quo” em que, progressivamente, se auto-desestimulou a prática da investigação jornalística no País, qual suicídio.

E quem matou o jornalismo de investigação? Fomos nós, os jornalistas, quando enterramos Carlos Cardoso e estigmatizámos o Marcelo Mosse - assim como a sociedade fazia, até meados, dos anos 90 com os seropositivos.

Sim, porque após a morte de Carlos Cardoso foi este seu discípulo quem, de forma sistemática e consistente, dedicou-se a trabalhos de investigação jornalística, enquanto a tal de inveja tipicamente nossa campeava e tratou de o tomar por “encomendado” e propiciou que à sua volta não florescessem, salvo raras excepções, outros cultores da “cardosiana missão” de investigar, com método e objectividade dignos desse nome de jornalismo.

Na vaga de fundo deste debate pródigo de uma discussão do sexo dos anjos reside senão um “lobby” por novos fundos de doadores, como se isso fosse a panaceia para o jornalismo de investigação em Moçambique – assim como já houve um fundo para o desenvolvimento dos media patrocinado pela UNESCO que deu no que não deu…

Espero, sinceramente - que, tal como depois da estigmatização dos seropositivos e da seropositividade em Moçambique - não haja uma epidemia, quero dizer, pandemia de soluções e estratégias para viabilizar o Jornalismo de Investigação em Moçambique através de mundos e fundos que alarguem os bolsos e bolsas, permitam principescas mordomias e propiciem acumulações especulativas de capital …e no final o Jornalismo de Investigação volte à estaca zero (onde estamos hoje), depois de alguns “anos dourados” de financiamentos, formações, galardões.

Não que eu seja contra tais iniciativas, antes pelo contrário, sou bastante a favor, até me coloco na linha da frente. Mas, antes dos fundos e das bolsas de investigação e de formação, há que se firmar compromissos sérios, individuais e colectivos, de quem realmente quer fazer Jornalismo de Investigação EM NOME DA VERDADE, PELO INTERESSE PÚBLICO.

É que, verdade seja dita, a promessa de novos fundos neste país é como a descoberta de um cadáver ainda fresco no deserto, os abutres são sempre os primeiros a sentir o cheiro e a fazer a festa.

PS: Como minha humilde contribuição ao debate, em breve publico o meu MANIFESTO PELO JORNALISMO DE INVESTIGAÇÃO EM MOÇAMBIQUE.


Publicado na Edicao nr. 87, de 27 de Maio de 2010, do Jornal @Verdade

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