quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O adeus do General "sem" biografia


“Journalism is the first rough draft of history” - Phillip L. Graham



Nota prévia: Este exercício não pretende, de forma alguma, ser um obituário, embora o autor destas linhas seja um adepto dos grandes obituários como bem ensina Gay Talese em seu “Fama & Anonimato”. É que, um obituário deve ser um Requiem, que exige arte e engenho, equilíbrio e destreza, num exercício que constitua q.b. uma justa homenagem ao visado. E, nisso de escrever obituários, ainda me sinto imberbe.

Morreu na manhã de hoje na Clínica da Sommerschield, a escassos metros da sua casa e da sede da Frelimo, na Rua da Frente de Libertação de Moçambique, o temerário General Bonifácio Gruveta Massamba.


Tido por muitos como O Dono da Zambézia, devido aos seus vastos interesses empresariais na sua província natal e devido ao respeito, temor e poder que ainda infundia sobre os tomadores de decisão naquela rica mas empobrecida província do País. Tido por outros como um homem vertical, Bonifácio Gruveta Massamba diz adeus sem uma biografia publicada - o que convida a que os seus camaradas de toda a hora, historiadores descomprometidos com a propaganda oficial, jornalistas com pendor para investigação histórica e biográfica se empreendam nessa missão, caso ele não tenha deixado registadas notas biográficas para um futuro livro da sua vida.


Nisto de biografias, é preciso ressalvar que o próprio General soube, a seu tempo e espaço, relativizar o valor de algumas biografias de seus camaradas, devido a verdades que segundo ele muitos deles não contaram sobre a história da luta de libertação de Moçambique.


O facto é que, com biografias/autobiografias bem ou mal contadas, o mérito de alguns dos seus camaradas foi esse, de terem publicado biografias oficiais, obras que sirvam de pistas para a reconstrução menos apologética/panfletária e o mais científica possível da verdade da história de Moçambique.

Nisto de biografias e verdade histórica, sempre que pudesse e lhe aprouvesse falar da gesta libertadora, nos últimos tempos, o General Bonifácio Gruveta Massamba vincou a sua verticalidade ao questionar algumas imprecisões em relação àquilo que nos foi ensinado como a história da luta de libertação de Moçambique.


Polémica ou não, o facto é que essa postura recente do General é reveladora de quão ele pretenderia Contar A Verdade, na sua versão, claro!, se o seu tempo de vida lhe tivesse permitido biografar ou autobiografar a sua existência e seu papel na construção de Moçambique.
Tratando-se, a sua vida, de uma vida que merece ser biografada, só essa postura do General perante a demanda da verdade histórica constitui em si um convite a que corajosos se empreendam, sem medo de represálias ou afã de colher dividendos, na busca de estórias de vida que ajudem a construir uma honesta e justa história da vida do Major General na Reserva, Bonifácio Gruveta Massamba.


Parece uma prosa redundante esta, não é? Não se preocupem, que logo chego ao ponto (já está a perguntar, o leitor: so, what’s the point, Milton boy!?). Permitam-me, antes de chegar ao ponto, mais um exercício hiperbólico, para enriquecer o meu ponto.


Nos últimos dias, tenho cruzado opiniões com o meu amigo e guia espiritual sobre o que (mais) devemos ler, sobre o que devemos ler para aprender e apreender da história e, sobretudo, nos tornarmos sujeitos da história. Refugiando-me na minha vocação e condição de jornalista, tenho pendido mais para os livros de Não-Ficção, relatos históricos ou jornalísticos sobre eventos, personalidades e momentos marcantes da história da humanidade e, em particular, de África e de líderes negros. Ele, um jurista roubado ao clube dos Filósofos, argumenta que devemos ler sobretudo Biografias de grandes estadistas, líderes políticos, generais, e obviamente obras de Filosofia. Percebem, aqui, das Conversas Com o Meu Mano, que mensagem pretendo passar? Se não, regressemos então ao General.


Socorro-me da citação acima, de que O Jornalismo É o Primeiro Esboço por polir da História e recorro a Severino Ngoenha, no seu desafiador livro Por Uma Dimensão Moçambicana da Consciência Histórica, para dizer que os registos jornalísticos (grandes entrevistas do General aos media, intervenções do General em várias situações, artigos e depoimentos já publicados com referência aos feitos e momentos de vida do General) podem e devem servir de pontos de partida para biografar o General.


Em jeito de remate final, questiono-me: quem pode biografar a vida e obra do General Bonifácio Gruveta Massamba? Serão os historiadores e intelectuais orgânicos do Regime os custódios de tal missão? Será monopólio da Nomenklatura e da Associação dos Antigos Combatentes da Luta de Libertação Nacional? Será tarefa exclusiva do Ministério da Cultura? Ou não será direito de todos os moçambicanos que se sentirem capazes de tal exercício?


Meu apelo: vamos lá democratizar a biografização da vida e obra dos nossos heróis, líderes, ícones, estandartes, baluartes. Quanto mais biografias (oficiais, autorizadas ou não-autorizadas) sobre a vida dos mesmos, por quem realmente tenha tido papel relevante na vida dos Generais da Nossa Libertação, mais ricas serão as lições de vida que deles pudermos aprender.


Ao General, que tenha o merecido descanso por tudo o que deu por e para esta pátria de heróis…

Sem comentários:

Enviar um comentário